PERFEITO!!! ESTE TEXTO É MARAVILHOSO!!
LER DEVIA SER PROIBIDO
"A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser
proibido.
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades
impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em
que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe
fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Dom Quixote
e Madame Bovary.
O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram
meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos
que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary,
tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre
bailes e amores cortesãos.
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso,
inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de
outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável.
Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante
dos grilhões que o encerram.
Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria
ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca
o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte
dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é
fazer o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para
caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção.
Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é
devido.
Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos
transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e
palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de
pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das
montanhas, há estrelas por trás das nuvens.
Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo
que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.
Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode
levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do
homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem
noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras,
destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma
curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o
trabalho duro.
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus
direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma
ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a
sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se
pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer
dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões
utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio,
projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da
civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem
magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o
tapete mágico, o pó de pirlim-pim-pim, a máquina do tempo.
Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que
é mais subversivo do que a leitura?
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se
divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que
desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metros, ou no
silêncio da alcova. Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão.
Para executar ordens, a palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores e alegrias, tantos outros
sentimentos. A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e
público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz
identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e
aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano."
(Guiomar de Grammont)
"Eu poderia ter o mesmo pai, a mesma mãe, ter frequentado o mesmo colégio e tido os mesmos professores, e seria uma pessoa completamente diferente do que sou se não tivesse lido o que eu li. Foram os livros que me deram consciência da amplitude dos sentimentos. Foram os livros que me justificaram como ser humano. Foram os livros que destruíram uma a um meus preconceitos. Foram os livros que me deram vontade de viajar. Foram os livros que me tornaram mais tolerante com as diferenças."
(Martha Medeiros)